quarta-feira, 29 de junho de 2011

Radiação, tomografia e câncer


Há poucos dias foi publicado no jornal Folha de São Paulo uma reportagem assinada pela jornalista Cláudia Collucci alertando sobre o risco imposto especialmente aos pacientes cardiológicos pela utilização crescente de métodos de imagem que utilizam radiação ionizante como princípio na aquisição de imagens.

 Apesar da clara intenção de enfatizar um aspecto relevante na medicina atual e que vale muito a pena ser discutido, a reportagem comete alguns erros graves no tom alarmista e em afirmações epidemiológicas pouco fundamentadas. Além disso, faz uma interpretação totalmente equivocada de um estudo canadense publicado no Canadian Medical Association Journal no início deste ano, que avaliou cerca de 83 mil pacientes vítimas de infarto agudo do miocárdio entre 1996 e 2006. Uma interpretação do estudo segue no link de uma reportagem norte-americana publicada em fevereiro de 2011. Nota-se diferenças importantes com relação à reportagem da Folha:

Ao fazer referência ao estudo, a jornalista da Folha cita a angiotomografia de coronárias como uma das fontes de radiação observadas no estudo, quando isso não corresponde à realidade. Os estudo registrou apenas os exames de cintilografia de perfusão miocárdica (29,9% do total de radiação recebida pelos pacientes do estudo), cateterismo cardíaco diagnóstico (23,6% ) procedimentos de angioplastia coronária (40,3%) e ventriculografia (6,3%). Mesmo porque estudos mostram que, em 2006, ano final da inclusão de pacientes na pesquisa, a angiotomografia de coronárias era responsável por apenas 1,5% do total de radiação relacionada a procedimentos médicos nos EUA, ou seja, uma porcentagem muito pequena (Gerber TG et al, Circulation 2009;119:1956-65). O estudo canadense mostra uma associação entre radiação e maior incidência de câncer, porém não estabelece relação de causa e efeito entre as duas. Aliás, essa relação em termos de radiação de procedimentos médicos não é clara, não é provada e é ainda muito debatida.
Além disso, a reportagem dá um certo tom de vilania à tomografia, desprezando outras fontes importantes de radiação médica e ignorando os benefícios trazidos pelo exame e por todos os outros métodos diagnósticos. Em outras palavras, enfocou-se muito o risco estimado (porém ainda controverso) de desenvolvimento de câncer secundário à radiação sem a ponderação dos benefícios provados que os exames de cintilografia, cateterismo e agora a angiotomografia de coronárias trazem em pacientes com doenças cardiovasculares.
Concluindo, o debate sobre indicações apropriadas de exames diagnósticos (tenham eles radiação ou não) e sobre os potenciais riscos da radiação ionizante é relevante e atual. Todas as sociedades médicas apregoam uma abordagem conservadora e cuidadosa com relação à radiação e defendem a utilização de qualquer método diagnóstico com parcimônia e obedecendo suas indicações. Porém são áreas ainda com muitas controvérsias, evidências científicas conflitantes e constante evolução tecnológica. Deve-se ter extremo cuidado nas colocações e interpretações de estudos isolados a fim de não causar mais confusão (ou gerar falsas idéias) que prestar esclarecimentos.





























Nenhum comentário:

Postar um comentário